RIO —Após a arrancada, bastaram 15 segundos para um Camaro turbinado
atingir 200km/h e ganhar, na última terça-feira, um “pega” entre os
números 9.500 e 10.560 da Avenida das Américas, um dos três pontos
usados por um grupo que faz disputas ilegais na Barra. Adeptos das
corridas clandestinas revelaram ao GLOBO que 600 motoristas e pilotos de
motos participam de “pegas” no bairro.
Entre os corredores, há estudantes, médicos, advogados, empresários, um
tenente da Marinha e até um juiz federal. Todos dispostos a investir até
R$ 200 mil para turbinar um carro e infringir a lei. Eles admitem que
as corridas oferecem risco de acidentes graves, como aconteceu com o
empresário de 64 anos que morreu há duas semanas, ao ter seu automóvel
atingido por dois veículos que faziam um “pega” na Avenida das Américas.
Nada parece, no entanto, intimidar o grupo, que reclama da falta de um
espaço adequado para as suas disputas. Os motoristas dizem que, com a
desativação do Autódromo de Jacarepaguá, em 2012, ficaram sem uma pista
para suas corridas e foram para as ruas. Neste domingo será realizada a
manifestação “Queremos autódromo”, em frente à Arena da Barra, com a
participação de motoristas que fazem “pega”.
— Nossa luta é pela reconstrução de um novo autódromo, seja lá onde for,
mesmo fora da cidade. Falta vontade política — diz o advogado Wagner
Soares, da Associação de Motociclistas Amadores e Profissionais do Rio
(Amapro), que participará do ato, mas condena os “pegas”.
Ferrari, Porsche e BMW
Assustados com as corridas disputadas em alta velocidade na porta de casa, moradores do Condomínio Novo Leblon e do Residencial Riserva Uno enviaram um ofício a autoridades, no início do mês, pedindo uma solução para o problema. Segundo eles, os “pegas” acontecem até três vezes por semana. Um morador conta que, após as 21h, um grande grupo se reúne na Avenida das Américas, na altura do número 7.000, para disputar as corridas clandestinas.
— Não sabemos mais o que fazer. São motos e carros produzindo muito
barulho. Não nos deixam dormir até as 5h — diz um aposentado de 72 anos.
O GLOBO esteve terça-feira no local apontado pelo aposentado e encontrou
cerca de 50 jovens participando de um “pega” ou assistindo à corrida.
Alguns corredores aceitaram falar, desde que não identificados.
— Muita gente gosta de sair do trabalho e ir tomar uma cerveja — disse um dos motoristas. — Eu não bebo. Somos apaixonados por carros e velocidade, como outros são apaixonados por tênis. Sabemos que estamos cometendo um crime, mas vamos continuar na rua enquanto não houver uma solução.
Ele comprou uma Ferrari por R$ 300 mil e gastou mais R$ 200 mil para
turbiná-la com um motor de mil cavalos. Além do veículo italiano, há
quem dirija Porsches, Subarus, Camaros, Mercedes e BMWs. No entanto,
para não chamar a atenção da polícia, já há corredor usando veículos
comuns — mas com motores similares aos de máquinas que podem chegar a
300km/h. É o caso de uma engenheira de produção de 36 anos. Ela trabalha
numa multinacional e esconde sob o capô do seu Voyage 76 um motor de
400 cavalos:
— Quando o autódromo fechou, comecei a participar dos “pegas”, porque o que me dá prazer é correr.
A Confederação Brasileira de Automobilismo diz que é contra os “pegas”,
mas acusa o poder público de não ter construído um novo circuito logo
após o fechamento do Autódromo de Jacarepaguá, demolido para dar lugar
ao Parque Olímpico. O projeto de uma nova pista em Deodoro está parado
por causa de um processo na Justiça.
O comando do 31º BPM (Barra) informou que “realiza todas as semanas
operações de trânsito que envolvem orientação, fiscalização e repressão
no eixo Avenida das Américas e Avenida Ayrton Senna, sempre planejadas a
partir de coleta de dados junto aos moradores atendidos.” Ninguém foi
preso até agora por fazer “pegas”.
VÍDEO :
Pelo Código de Trânsito Brasileiro, o motorista que participa de
corridas clandestinas deve ser punido com detenção de 6 meses a três
anos, além de multa e suspensão da carteira.